Gerações de Esperança – IGerações de Esperança – II

Introdução

O ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 marcou um evento divisor de águas não apenas para os Estados Unidos, mas globalmente. Poucas horas após os eventos em Nova Iorque e Washington, muçulmanos foram identificados como perpetradores. Repentinamente, americanos cravados às suas televisões e telas de computador aprenderam que muçulmanos não eram apenas algum grupo amorfo no Oriente Médio, mas viviam nos bairros americanos, trabalhavam em empresas americanas e estudavam em faculdade nas universidades americanas e até mesmo com seus filhos em escolas primárias e no ensino médio. Pessoas de toda a América perguntavam: Quem são essas pessoas? No que elas acreditam? Como pode uma religião promover a destruição de milhares de vidas humanas? De repente, os meios de comunicação, assim como pessoas de todos os Estados Unidos estavam fixados em uma religião que era estranha à maioria deles.

No dia seguinte, 12 de setembro, o Presidente Bush, enquanto anunciava sua “guerra ao terror”, alertou o povo americano que nem todos os muçulmanos são terroristas e que o Islam é uma religião pacífica que não admite violência. Ele tomou a liderança em enquadrar os eventos do dia anterior como ações de um grupo radical, extremista dentro de uma religião que, de outra forma, é pacífica. Ele pediu que os americanos não retaliassem com ataques a muçulmanos em suas cidades e bairros.

Desde o Onze de Setembro, houve uma onda de interesse pelo Islam nos Estados Unidos, como evidenciado pelo aumento no número de livros, reportagens jornalísticas e artigos de revistas focados no Islam, os muitos programas de televisão visaram descrever as crenças e práticas do Islam, e a proliferação do número de cursos em universidades sobre o Islam e religiões em geral. Como resultado, mais americanos estão aprendendo sobre as muitas diferentes formas do Islam, e sobre o fato de que há extremistas em todas as religiões, e que toda uma religião não pode ser culpada pelas ações de uma minoria de membros. Contudo, ainda há concepções errôneas generalizadas sobre o Islam e ainda há uma tendência de muitos a igualar muçulmano com terrorista.[1]

Islam “Moderado”

Uma resposta ao radicalismo islâmico por parte dos muçulmanos no mundo todo tem sido o crescimento e visibilidade de movimentos muçulmanos “moderados” ou não violentos. Um desses movimentos que tem passado por rápido crescimento na Turquia, seu país de origem, e também em outros países da ex-União Soviética é o Movimento Gülen. Esse movimento é inspirado por um erudito islâmico e ex-imam, o Sr. Fethullah Gülen, que nasceu na Turquia em 1941, tornou-se um imam e famoso pregador, professor, autor e poeta nos anos 1970 e 1980, e mudou-se para os Estados Unidos em 1999, onde vive atualmente. Um dia após os ataques de Onze de Setembro, o Sr. Gülen publicou uma declaração de página inteira no New York Times em que ele condena s ataques e declara que os perpetradores não representam o Islam. Sua mensagem é de tolerância, respeito, diálogo inter-religioso e concentra-se na necessidade de construção de pontes entre o mundo muçulmano e o Ocidente. O Sr. Gülen insiste na necessidade de criação de avanços científicos e tecnológicos no mundo muçulmano, alcançados por meio da educação. Como Ibrahim M. Abu-Rabi descreve: “Gülen defende uma noção ‘progressista’ de Islam em que muçulmanos são capazes de se engajar completamente com o mundo sem qualquer medo ou preconceito”.[2]

Apesar de muitos legisladores advogarem o apoio ao Islam moderado como uma estratégia para confrontar grupos radicais islâmicos, o termo “muçulmano moderado” é altamente contestado entre acadêmicos e legisladores[3] e entre os próprios muçulmanos, que argumentam que o termo é usado pejorativamente para indicar um muçulmano que é mais laico e menos islâmico que “a norma”, o que varia entre as comunidades[4]. Steven Cook, Associado Douglas do Concelho de Relações Exteriores, argumenta que moderação está “nos olhos de quem vê” e que legisladores deveriam focar em identificar aqueles que podem contribuir com soluções pragmáticas para os problemas na região, “moderados” ou não.[5] No mesmo sentido, Jay Tolson discute que definições de moderação refletem os compromissos ideológicos e políticos dos definidores, de forma que conservadores têm visões mais rigorosas e restritas de moderação enquanto liberais veem mais tons de aceitabilidade.[6] Enquanto o termo é contencioso, eu o utilizo no título deste livro para indicar um grupo islâmico que está disposto a coexistir pacificamente com povos de outras religiões, apoia democracia, estima a liberdade de pensamento e buscas educacionais ao mesmo tempo em que reconhece o papel da fé e da religião, e condena o uso de violência em nome do Islam. Dentro desses parâmetros, o Movimento Gülen é um forte exemplo de Islam moderado no mundo contemporâneo.

Recente Atenção da Mídia ao Movimento Gülen

Recentemente, vários jornais amplamente lidos e reputáveis tomaram conhecimento do Sr. Gülen e dos muitos projetos de serviço social, como escolas, hospitais, repúblicas e organizações de caridade sem fins lucrativos que são inspirados pelas ideias que ele apresenta em seus sermões, livros, artigos, CDs, websites e visitas pessoais com seguidores que vão à casa dele na Pensilvânia para passar algum tempo na companhia dele e buscar conselhos. A Oxford Analytica da Forbes publicou um artigo (18/1/2008) intitulado “Gülen Inspira Muçulmanos no Mundo Todo” em que menciona a “habilidade de mobilizar recursos consideráveis e a influência entre tomadores de opiniões” do movimento”. Em maio (4/5/2008), O New York Times imprimiu um artigo de primeira página sobre as escolas Gülen no Paquistão que oferecem “um Islam mais gentil” promovendo uma visão do Islam que é “moderada e flexível, coexistindo confortavelmente com o Ocidente enquanto permanece distinto dele”. A revista francesa Le Monde publicou uma história (5/11/2006) sobre as conquistas das escolas abertas por seguidores de Gülen na Alemanha, mencionando que essas escolas trataram os problemas educacionais de crianças imigrantes e poderiam ser tomadas como exemplo pelas escolas alemãs.

O International Herald Tribune (18/1/2008) escreveu que o Sr. Gülen era “uma inspiração para Muçulmanos que se sentem em casa no mundo moderno”. O artigo também foi citado na revista Forbes. A Economist publicou recentemente três artigos sobre o movimento. Um artigo (30/1/2008) sobre o problema curdo na Turquia identifica o Sr. Gülen como um “clérigo muçulmano liberal que vive em exílio auto-imposto na América”. Ele também menciona que seguidores do Sr. Gülen distribuíram carne a 60.000 famílias durante a Festividade do Sacrifício e que médicos seguidores do Sr. Gülen estão oferecendo atendimento e tratamento grátis em regiões curdas, apresentando a mensagem de que curdos e turcos são irmãos no Islam. Uma edição subsequente da Economist (6/3/2008) teve dois artigos sobre o Movimento Gülen e elogiava os projetos educacionais e de serviço social que ele provê em todo o mundo. Além disso, na Reunião Anual do Fórum Econômico Mundial de 2008 em Davos, Suíça, um relatório intitulado “Islam e o Ocidente: Relatório Anual sobre o Estado do Diálogo” ressaltou que a rede de 100 escolas do Movimento Gülen espalhadas por países de toda Ásia Central como exemplo de uma tentativa importante de melhorar o diálogo entre culturas.

Em agosto de 2008, a revista Foreign Police pediu aos leitores que votassem para o maior intelectual público do mundo. Fethullah Gülen ganhou com maioria esmagadora de votos, provavelmente por causa dos milhões de votos de seus apoiadores que leram sobre a pesquisa no Zaman, um jornal turco lido por muitas pessoas do movimento. De maneira interessante, os dez intelectuais no topo da lista são todos muçulmanos, provavelmente resultado dos votos dos apoiadores de Gülen que deram seus votos não apenas ao seu líder, mas a outros muçulmanos na pesquisa. Enquanto a pesquisa não foi científica em termos de uma amostragem aleatória dos respondentes, seus resultados demonstram os milhões de apoiadores de Gülen e o poder da rede que os une.

Desde 2005, centenas de americanos se familiarizaram com o Movimento Gülen como resultado da participação em viagens inter-religiosas à Turquia patrocinadas por grupos Gülen locais, assim como por anfitriões Gülen na Turquia. Essas viagens de diálogo originaram em Houston, Texas, e agora se espalham por todos os Estados Unidos. Nessas viagens de 8-10 dias, os participantes são introduzidos aos maiores locais históricos, culturais e religiosos da Turquia, assim como recebem a oportunidade de interagir com famílias muçulmanas locais, muitas das quais são membros do Movimento Gülen. O propósito de tais viagem, de forma alguma, é um instrumento de recrutamento para o movimento; muito pelo contrário, elas são estruturadas para promover o diálogo inter-religioso entre grupos religiosos nos EUA e na Turquia. Contudo, já que as viagens são lideradas por apoiadores de Gülen, eles comumente incluem vários jantares nas asas de muçulmanos turcos que são parte do Movimento Gülen e visitas a várias escolas e hospitais apoiados pelo movimento, portanto, as pessoas nessas viagens tornam-se familiarizadas com ele.

Dado que o Movimento Gülen tem base popular e não tem uma burocracia centralizada, é impossível determinar precisamente quantas pessoas estão envolvidas, seja como membros ou participantes. Contudo, estima-se que 10-15% das 70 milhões de pessoas na Turquia estão associadas com o movimento e 8 a 10 milhões de membros no mundo todo, localizados em mais de 100 países, em cinco continentes.[7] Da mesma forma, é impossível contar os muitos e variados projetos de serviço social inspirados pelas ideias do Sr. Gülen e iniciadas por membros do movimento. No entanto, as melhores estimativas estão em: mais de 1.000 escolas localizadas em cinco continentes em 100 países onde os membros residem; seis hospitais privados de ponta; uma universidade privada, centenas de repúblicas e cursos pré-vestibulares para o exame universitário nacional na Turquia; uma organização internacional de ajuda humanitária; organizações locais de membros do movimento em todo o mundo que patrocinam viagens de diálogo inter-religioso à Turquia, jantares Iftar para o desjejum durante o Ramadan, conferências Gülen e eventos de diálogo  inter-religioso em áreas regionais e locais.

O Sr. Gülen e o Movimento Gülen como um Para-Raios

Ao mesmo tempo que o movimento prospera tanto na Turquia quanto mundialmente, e talvez por causa desse sucesso, surgiram críticos do Sr. Gülen e seu movimento que se opõem veementemente ao movimento e que têm medo de suas consequências para a Turquia.[8] Eles temem que o Sr. Gülen está tentando um golpe político à Turquia como aquele orquestrado pelo Ayatollah Khomeini em 1970 no Iran, uma mudança de regime que arruinou os esforços de modernização do Xá e estabeleceu um governo islamista muito conservador. Da mesma forma, críticos temem que o movimento fará a Turquia retroceder em termos de tradicionalismo, paralisando, assim, a modernização da Turquia e as tentativas de aceitação na União Europeia. Subjacente a esses temores está a argumentação dos críticos de que o Ocidente, especialmente os Estados Unidos, estão financiando os projetos de serviço social do movimento, por exemplo, escolas, hospitais e seu vasto império midiático para estabelecer uma presença islâmica moderada no Oriente Médio como um antídoto ao terrorismo radical islâmico. Em suma, o Sr. Gülen tornou-se um para-raios, criando um redemoinho não apenas na Turquia, mas no mundo todo onde seus seguidores migraram.

Em novembro de 2007, o Serviço de Imigração e Cidadania dos EUA (USCIS) negou um Cartão de Residente Permanente dos EUA, comumente conhecido como “green card” ao Sr. Gülen, que morava nos Estados Unidos há nove anos. Ele também perdeu o recurso que havia apresentado para reconsideração do veredito. O tribunal achou os argumentos de que o Sr. Gülen era um “talento acadêmico extraordinário” insuficiente para merecer o status permanente de erudito nos EUA. Na argumentação do promotor, os recursos financeiros de Gülen foram detalhados, afirmando que a Arábia Saudita, o Irã, o governo turco e a CIA estavam financiando o movimento Gülen, o que o procurador do Departamento de Estado Americano estimou em mais de US$ 25 bilhões. Em 16 de julho de 2008, um tribunal federal derrubou a decisão original com base na falta de evidência suficiente e ordenou ao Secretário de Segurança Nacional que aprovasse o pedido de green card original do Sr. Gülen.[9] Em outubro de 2008 o cartão foi oficialmente concedido a ele pelo governo americano.

Oito anos antes, em 31 de agosto de 2000, o Sr. Gülen foi acusado pelo promotor público turco Nuh Mete Yuksel de organizar um movimento para mudar o governo laico estabelecido por Mustafa Kemal Ataturk em 1923, quando a Turquia se tornou uma república, e transforma-lo em um Estado teocrático. Após anos de audiências judiciais e inúmeras investigações e documentos judiciais, em 5 de maio de 2006, o caso contra o Sr. Gülen foi recusado pelo tribunal de segurança do Estado e ele foi exonerado de qualquer delito.[10]

Quem é esse homem que acumulou tanta atenção da mídia, do sistema judicial e tanto seguidores quanto críticos? É ele um Gandhi[11], como alguns seguidores clamam, ou um Khomeini[12], como muitos críticos temem? Ele deve ser idolatrado e emulado ou desprezado e condenado como um tirano? O que é o Movimento Gülen que agora alega ter milhões de seguidores mundialmente e atrai tanto apoio financeiro que começa a levantar suspeitas de que algum governo deve estar por trás do movimento? De onde vem o dinheiro para construir e sustentar as centenas de escolas em mais de 100 países, seis hospitais privados de ponta, o maior jornal em termos de leitores na Turquia, o maior banco islâmico na Turquia e uma organização de ajuda humanitária que arrecada US$ 16 milhões anualmente para assistência em situações de catástrofe? Por que um homem turco de quase 70 anos de idade e saúde fraca, que agora vive nos Estados Unidos, é o para-raios para tal ódio e medo cáustico por parte de alguns cidadãos turcos? O que fez o Movimento Gülen tão próspero nos trinta e poucos anos de sua existência e o que explica o fato de que ele está expandindo além da Turquia para capturar o envolvimento tanto de turcos como de não turcos ao redor do mundo?

O propósito deste livro é introduzir Fethullah Gülen e o movimento que ele inspira aos leitores em língua inglesa e responder as questões acima com a coleta de dados durante visitas de campo à Turquia e entrevistas com seguidores de Gülen em Houston, Texas. Com base em conversas com colegas de todo o país, assim como com audiências a quem lecionei e alunos nas minhas classes na Universidade de Houston, parece que o Sr. Gülen e o Movimento Gülen são pouco familiares à maioria dos americanos. No entanto, conforme a crescente atenção da mídia foca nesse movimento e cada vez mais americanos estão participando em viagens inter-religiosas à Turquia e em eventos patrocinados por apoiadores de Gülen nos Estados Unidos, há um interesse crescente nesse próspero movimento turco-islâmico moderado.

Estruturas Teóricas

Há duas estruturas teóricas que ajudam a explicar porque o Movimento Gülen tem sido tão bem-sucedido na Turquia e internacionalmente. A primeira, teoria da mobilização de recursos, esclarece os recursos humanos e financeiros que permitem a um movimento crescer e prosperar em seus objetivos. A segunda, teoria do comprometimento organizacional, foca nas estratégias de movimentos para angariar motivação de membros para prover os recursos necessários, e nas consequências de tal comprometimento na construção de lealdade ao movimento, assim, assegurando sua vitalidade e crescimento.

Teoria da Mobilização de Recursos

Mobilização de recursos é uma teoria sociológica que enfatiza os tipos de recursos necessários para a manutenção e crescimento de movimentos sociais. Teorias anteriores focavam na psicologia social dos participantes do movimento, que são vistos como pessoas que estão descontentes com um ou mais aspectos da sociedade.[13] A teoria da mobilização de recursos, que emergiu nos anos 1970, vê movimentos sociais como redes de pessoas que são capazes de atrair os tipos e quantidades de recursos financeiros e trabalho humano para efetuar mudanças na sociedade.[14] De acordo com os teóricos da mobilização, sempre há descontentamento suficiente em qualquer sociedade para prover apoio de base a um movimento. Para focar e organizar o descontentamento e torna-lo um movimento social, é necessário que um grupo central de estrategistas sofisticados organizem e arreiem as pessoas descontentes, atraiam dinheiro e apoiados e capturem a atenção da mídia, forjando alianças com aqueles no poder e criando uma estrutura organizacional.[15] Essa teoria assume que sem tais recursos, movimentos sociais não conseguem ser efetivos e aquela dissidência e insatisfação sozinhas não são suficientes para criar mudança social via movimento social. Se os recursos humanos e financeiros não estão disponíveis para apoiar os objetivos do movimento, ele eventualmente ruirá ou será absorvido por um movimento que é mais bem-sucedido na obtenção de recursos. A teoria da mobilização de recursos, portanto, lida especificamente com as dinâmicas e táticas de crescimento, declínio e mudança de movimentos sociais.

A maioria dos teóricos da mobilização de recursos[16] concordam que os seguintes recursos são necessários para um movimento social bem-sucedido: dinheiro, legitimidade e mão de obra. Fluxos suficientes e constantes de dinheiro possibilitam salários e apoio aos funcionários do movimento; proveem escritórios, computadores, copiadoras etc. que são essenciais para tornar visível e propagar a mensagem e objetivos do movimento; publicar propagandas, anúncios, cartazes, websites e outros meios de comunicação para mobilizar potenciais participantes; e financiar projetos e eventos patrocinados pelo movimento. A teoria da mobilização de recursos será usada principalmente no Capítulo 4, “A Rede de Círculos Locais”, e no Capítulo 6, “Água para o Moinho: Financiando os Projetos de Serviço Social Inspirados por Gülen”, para enquadrar e analisar os mecanismos pelos quais recursos são arrecadados para o crescimento e sucesso do movimento.

Teoria do Comprometimento Organizacional

Relacionada à questão de obtenção dos recursos necessários para o sucesso do movimento está a questão da motivação para o envolvimento dos membros. Por que há milhões de pessoas comprometidas com o movimento em termos de doação de tempo, mão de obra, envolvimento emocional e financeiro para alcançar os objetivos do movimento? O comprometimento envolve a identificação do destino pessoal do indivíduo com o sucesso ou fracasso da coletividade.[17] Ele é tipicamente examinado em termos da mistura de características pessoais e organizacionais que aumentam a disposição para o exercício de altos níveis de esforços, para permanência como um membro na organização, para aceitação dos principais objetivos e valores, e para a avaliação da organização como vantajosa.

Pesquisa pela socióloga Rosabeth Kanter, no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, sobre o comprometimento nas comunidades americanas[18] continua uma declaração clássica sobre os mecanismos organizacionais que geram comprometimento nos membros. Ela estava interessada em como grupos se mantém coesos e focou nos requerimentos organizacionais que influenciam indivíduos a sentirem que seu próprio interesse é indistinto do resto do grupo – seu sentimento de comprometimento. Ele argumentou que uma pessoa está comprometida com uma relação ou grupo na medida em que ele(a) o vê como uma expressão ou satisfação de alguma parte fundamental de si mesmo(a) e identifica os objetivos do grupo como nutrição para seu próprio sentido de individualidade. Uma pessoa comprometida é leal e envolvida, tem um sentimento de pertença, um sentimento de que o grupo é uma extensão de si e que ela é uma extensão do grupo.

Em suma, as teorias de mobilização de recursos e de comprometimento fornecem a lente pela qual observar o Movimento Gülen e explicar porque ele prospera. Essas ferramentas teóricas, junto com uma análise dos contextos político e histórico em que Fethullah Gülen pregava na Turquia e o entendimento dos conceitos turco-islâmicos de doação e hospitalidade proveem clareza sobre as crenças, valores e dinâmicas sociais que impulsionam esse movimento à proeminência nacional e internacional.

Questões de Pesquisa

Com base nas teorias de mobilização de recursos e de comprometimento descritas acima, há três questões básicas que guiam a pesquisa relatada neste livro:

  1. De uma perspectiva sociológica, quais mecanismos de comprometimento organizacional explicam porque o Movimento Gülen capturou o entusiasmo de milhões de turcos dentro do país, assim como em outros países para os quais migraram?
  2. De que maneira os mecanismos financeiros envolvidos no financiamento dos projetos de serviços sócias promovem o envolvimento, entusiasmo e comprometimento dos apoiadores do movimento? Como os apoiadores são motivados a fazer doações?
  3. Quais são os arranjos financeiros relacionados a instituições que são associadas ao Movimento Gülen e de que forma os apoiadores estão financeiramente ligados aos projetos inspirados por Gülen?

O plano de pesquisa que gerou os dados reportados neste livro resulta das questões de pesquisa acima. Decidi visitar as instituições inspiradas por Gülen e entrevistar administradores e funcionários daquelas organizações. Além disso, entrevistei ampla gama de pessoas que apoiam o movimento, tanto financeiramente quanto com trabalho voluntário. Dado que a motivação para o serviço social começa nos círculos locais que caracterizam o movimento, foquei especialmente nesses grupos.

É tão importante enfatizar o que o plano de pesquisa NÃO inclui quanto delinear o que ele inclui. Esse é especialmente o caso, dado o tópico altamente carregado de ideologia que é foco deste livro. Há muitos críticos do movimento tanto na Turquia quanto da diáspora turca. Apesar de eu ter falado com alguns desses críticos, eu não conduzi entrevistas sistemáticas baseadas em amostras aleatórias ou representativas de entrevistados. Já que perspectiva crítica não era parte do meu plano de pesquisa original, este livro não é uma avaliação do movimento a partir de várias perspectivas. Além do mais, eu não apresento uma avaliação crítica do papel histórico ou político do Movimento Gülen na sociedade turca. Em contrapartida, meus dados são circunscritos pelas três questões de pesquisa acima, todas elas respondidas nos termos das minhas entrevistas com apoiadores dentro do movimento.

Este livro é uma análise sociológica do Movimento Gülen, embasada em meu treinamento acadêmico como socióloga. Enquanto o Capítulo 2, “O Islam e o Estado Na História Turca” apresenta uma breve história da relação entre o Islam e o Estado em toda a história turca, ele não foi pensado como um trabalho acadêmico histórico sobre o tópico. Em vez disso, escrevi o capítulo em termos muito abrangentes para introduzir o leitor ocidental aos grandes contornos da história turca que proveem um contexto para evolução do Movimento Gülen, com ênfase nas relações entre a religião e o Estado na Turquia. Da mesma forma, o capítulo 5 sobre “A Cultura Turco-Islâmica de Doação” é oferecido em termos amplos para familiarizar o leitor ocidental com os conceitos históricos e religiosos que proveem o plano de fundo para os projetos de serviço social patrocinados pelo Movimento Gülen e para demonstrar que o Sr. Gülen suscita essas características culturais para motivar seus apoiadores a iniciarem e a se envolverem no serviço aos necessitados.

Fontes de Dados no Livro

Nos últimos três anos, passei oito semanas na Turquia durante quatro visitas diferentes, cada uma com duração de duas semanas. Essas visitas proveram-me oportunidade para experimentar tanto a cultura do pais quanto a subcultura do Movimento Gülen. Durante essas visitas, pude visitar aproximadamente oito escolas em Istambul, Antalya, Izmir, Bursa, Ancara, Konya e Urfa. Também entrevistei médicos e administradores de quatro hospitais inspirados por Gülen naquelas cidades, assim como visitei empresários associados com o movimento, como a Fundação de Jornalistas e Escritores, a estação de T.V. Samanyolu, o jornal Zaman e a Kimse Yok Mu, uma organização de ajuda humanitária. As duas primeiras visitas foram parte de viagens de diálogo inter-religioso das quais participei com mais uma dúzia de pessoas dos Estados Unidos. Fomos recebidos para refeições e diálogo em aproximadamente dez casas por muçulmanos turcos associados ao movimento. Essas duas primeiras visitas proveram o contexto e familiaridade geral com as organizações do movimento e as pessoas no movimento em antecipação da minha terceira visita, que foi explicitamente orientada para pesquisa e focada em entrevistas.

Em abril de 2008, passei duas semanas em Istambul, Bursa e Mudanya, conduzindo entrevistas formais com altos-administradores de instituições ligadas a Gülen com o objetivo de documentar a história financeira e a estrutura das organizações. Concentrei-me em como a organização ou projetos de serviços sociais foram iniciados, custos associados ao projeto original, fontes de financiamento, a história da sustentação financeira do projeto ao longo do tempo e seu estado financeiro corrente, incluindo gastos e fontes de renda. Eu estava especialmente curiosa sobre qualquer apoio governamental para os projetos, incluindo não apenas dinheiro, mas também terras, prédios e isenções fiscais. As instituições e projetos ligados a Gülen incluídos em minhas entrevistas são:

  • Banco Asya
  • Estação de televisão Samanyoly
  • Jornal Zaman
  • Fundação de Jornalistas e Escritores
  • Universidade Fatih
  • Hospitais: Hospital Sema, Istambul; Hospital Bakar, Bursa
  • Três escolas inspiradas por Gülen
  • Organização de Ajuda Humanitária Kimse Yok Mu

Cada entrevista foi gravada com a permissão das pessoas envolvidas e, depois, transcritas para uma análise mais fácil.

              Além disso, conduzi entrevistas com uma variedade de pessoas participantes do Movimento Gülen. Algumas dessas entrevistas foram face a face com indivíduos que contribuem com tempo e dinheiro para os projetos de serviço social; outras foram com grupos focais de vários círculos locais de membros Gülen. Entrevistei dois grupos de empresários que são grandes apoiadores dos projetos do movimento, um em Istambul e o outro em Bursa. Cada um dos empresários envolvidos nesses grupos contribui com um mínimo de US$ 1 milhão por ano aos projetos de serviços sociais. Também conduzi grupos-focais com um círculo local de engenheiros e médicos, assim como com dois grupos de operários. Essas entrevistas proveram esclarecimentos sobre a quantidade de dinheiro contribuída por indivíduos em vários grupos ocupacionais, assim como as motivações para as doações e a retribuição associada ao envolvimento com o movimento.

Em março de 2009, retornei à Turquia com um grupo de sociólogos da religião dos Estados Unidos e Canadá. Para a maioria deles, essa viagem foi sua primeira introdução à Turquia e ao Movimento Gülen. As visitas a escolas inspiradas por Gülen, um hospital e agência de ajuda humanitária, assim como compartilhar refeições em três lares muçulmanos diferentes, gerou muito comentários e discussões sobre o movimento. Foi-me muito útil ouvir colegas sociólogos refletirem e comentarem sobre vários aspectos do movimento. Fui reassegurada de que minhas observações e conclusões anteriores estavam, de modo geral, substanciadas pelas análises dos meus colegas profissionais.

O que explica porque o Movimento Gülen capturou o comprometimento e entusiasmo de milhões de turcos no país assim como nos países aos quais migraram? Da mesma forma, por que o movimento está atraindo não turcos em áreas onde imigrantes turcos vivem, trabalham e estudam? Seja medido em termos de números de membros, alcance global, ou comprometimento de membros, o Movimento Gülen está prosperando. O que explica esse sucesso? Em parte, essas questões proveem o foco deste livro. O Capítulo 2 sobre “O Islam e o Estado na História Turca” apresenta uma visão geral da história da Turquia desde o antigo Império Otomano ao presente da perspectiva das relações entre o Estado e a religião (i.e. Islam). Esse plano de fundo histórico e político é essencial para se entender o contexto social em que o Sr. Gülen cresceu, no qual ele desenvolveu suas ideias e ao qual respondia em seus sermões e escritos. No Capítulo 3, “Fethullah Gülen, Sua Vida, Crenças e o Movimento inspirado por ele”, introduzo o leitor a Fethullah Gülen, descrevendo sua história de vida, influências sobre seu desenvolvimento intelectual e espiritual, as crenças e valores esposados por ele e o desenvolvimento do movimento inspirado por ele. Nos Capítulos 3, 4 e 5, usa a lente da teoria do movimento social, especialmente a percepção das teorias de mobilização de recursos e de comprometimento, para descrever os muitos projetos de serviço social que são o coração do movimento. O Capítulo 4, “A Rede de Círculos Locais”, e o Capítulo 5 “A Cultura Turco-Islâmica de Doação”, com ênfase nos conceitos culturais e religiosos que estão profundamente enraizados na sociedade turca proveem a motivação e inspiração por trás das boas obras do Movimento Gülen. Esses numerosos projetos de serviço social são apoiados por mão de obra voluntária e contribuições de milhões de membros no mundo todo, incluindo empresários ricos que doam porções substanciais de sua riqueza ao movimento e assalariados pobres que fazem grandes sacrifícios para doar alguns dólares todos os meses para auxiliar os projetos sociais. O Capítulo “Água para o Moinho: Financiando os Projetos de Serviço Social inspirados por Gülen” analisa o suporte financeiro por trás do movimento e as consequências da doação para o comprometimento dos membros. Finalmente, no último capítulo (“Sumário”) retorno às três questões propostas no Capítulo “Introdução” e sumarizo as maiores descobertas no livro que tratam dessas questões.



[1] Para dados de pesquisa sobre a atitude de americanos com relação a muçulmanos ver Wuthnow (2005); Eck (2001); CAIR (2006).

[2] Abu-Rabi (2008).

[3] Ver Cook (2007) para uma discussão de debates com relação ao termo “muçulmano moderado”.

[4] O próprio Sr. Gülen rejeita a noção de que seu discurso representa um tipo de “Islam moderado”, uma vez que ele argumenta que o Islam já é moderado.

[5] Cook (2007).

[6] Tolson (2008).

[7] Agai (2003) estima que os seguidores de Gülen dirigem aproximadamente 150 escolas privadas, 150 centros educacionais e um número ainda maior de repúblicas na Turquia e mais de 250 instituições educacionais em, praticamente, todas as partes do mundo. Michael (2003) estima que há mais de 300 instituições educacionais (escolas de ensino fundamental e médio, instituições pré-vestibulares, repúblicas e universidades) em cinquente países diferentes. As estimativas de Baskan (2004) são muito mais altas: 2.000 escolas em 52 países em cinco continentes, incluindo 125 na Turquia; Kalyoncu (2008) declara que há mais de 500 instituições educacionais e culturais em mais de 90 países.

[8] Yavuz (2003) discute quatro áreas em que Gülen e seu movimento estão abertos a críticas na Turquia: (1) relações de gêneros; (2) silêncio na questão curda; (3) apoio ao golpe de 29 de fevereiro de 1997; (4) um sistema educacional não crítico voltado ao dever.

[9] Para uma revisão do caso ver http://arama.hurriyet.com em 19 de julho de 2008; e também: http://www.todayzaman.com em 23 de julho de 2008.

[10] Para discussão desse caso ver: Aslandogan (2006); e também www.sundayzam.com em 21 de outubro de 2007.

[11] Mohandas Karamchand Gandhi (1869-1948) foi um grande líder político e espiritual na Índia e uma figura importante por trás do movimento de independência indiano. Como hindu compromissado, ele defendia a não violência, vivia modestamente em uma comunidade residencial autossuficiente, comia comida vegetariana simples e se submetia a longos jejuns como forma de autopurificação e protesto social. Ele liderou campanhas nacionais para erradicação da pobreza, expansão dos direitos das mulheres, construção de harmonia religiosa e étnica, fim da intocabilidade, aumento da autossuficiência econômica e defesa da independência da Índia do domínio estrangeiro. Ele inspirou movimentos de direitos civis e liberdade em todo o mundo.

[12] Ayatollah Ruhollah Khomeini (1900-1989) tornou-se um erudito e líder islâmico importante na resistência religiosa xiita contra a modernização do Iran durante os anos 1960. O Xá do Irã exilou-o, primeiro, à Turquia e então ao Iraque onde sua influência aumentou. Em resposta ao seu poder crescente, Saddam Hussein exilou-o a Paris em 1978 onde ele continuou a espalhar sua mensagem religiosa conservadora, incluindo seu ódio pelo Ocidente e seu clamor por uma revolução islâmica. Em 1978, Khomeini retornou ao Irã onde seus seguidores derrubaram o Xá do Irã e instalaram Khomeini como líder do país, posição que ele manteve até 1989, quando morreu de câncer.

[13] Teóricos que propõem uma perspectiva da psicologia social incluem Gurr (1970); Turner e Killian (1972); Smelser (1962); Byrne (1997); Eyerman e Jamison (1991).

[14] Oberschall (1973); Tilly (1978); Snow, Zurcher e Ekland-Olson (1980); McAdam, McCarthy e Zald (1996); Melucci (1999); Edwards e McCarthy (2004).

[15] McCarthy e Zald (1977); Kendall (2005); Fireman e Gamson (1979).

[16] McCarthy e Zald (1977); Jenkins (1983); Edwards e McCarthy (2004); Garner (1996); McCarthy e Wolfson (1996).

[17] Kanter (1972).

[18] Idem.

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