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Entrevista de Fethullah Gülen ao jornal Today’s Zaman – Parte 5

Gülen diz que a urna não é tudo numa democracia

Erudito islâmico Fethullah Gülen, inspirador do movimento cívico social Hizmet, disse que a urna não é tudo, instigando seus seguidores a não se apegarem a um único partido, mas a votarem livremente baseados em suas convicções pessoais.

“Certamente, as urnas têm uma importância crucial para o futuro do país; mas isso não é tudo”, disse e acrescentou que focar só no resultados das urnas faz com que algumas pessoas se sintam confortáveis para mentir.

Com relação à questão sobre qual partido ele apoiaria, Gülen afirmou que sempre pediu a seus amigos que votassem baseados em suas convicções pessoais. “Acredito que pedir a eles para votarem em determinado partido é uma forma de pressão; além disso, creio que engajar-se com um partido específico significa isolar-se de outros segmentos da sociedade”.

Contudo, Gülen indicou que seus seguidores não votarão para o partido governante AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento), cujo presidente, Recep Tayyip Erdoğan, lança insultos constantemente.

“Se a pessoa internaliza e concorda com tais acusações e insultos, pode até votar para aquele partido, mas acredito que esses comentários - que causariam dor a qualquer um - feriram, também, aos nossos amigos”, disse Gülen.

No entanto, ele alertou que candidatos são mais importantes que partidos nas eleições locais e por conta disso alguns de seus seguidores podem ver alguns candidatos do AKP como merecedores de apoio.

“Não importa o partido para o qual vote, você não terá cometido um pecado”, informou Gülen.

Falando sobre especulações sobre se voltará à Turquia, Gülen disse que decidirá sobre seu retorno após consultar amigos em quem confia e indicou que a ameaça contra ele não terminou, na Turquia, dizendo: “os que desejam tomar o poder de maneira despótica e nunca abandoná-lo veem perigo em pessoas que não nutrem aspirações ao poder.”

“Eles tentam retratar essas pessoas como ameaça ao Estado. Porém, em essência, as veem como ameaça aos seus próprios planos”, ressaltou.

Relembrando lições do passado, em que figuras importantes sofreram, foram perseguidas e processadas, Gülen afirmou que os problemas são temporários e pediu a seus seguidores que continuem pacientes.

Quanto a uma saída para a desordem que a Turquia tem vivido, o erudito islâmico disse que o país precisa de um novo clima.

“Uma nova Constituição é necessária à garantia de direitos e liberdades fundamentais. Acredito que deveria haver crescente demanda e pressão popular sobre as pessoas e instituições relevantes para que se produzisse uma Constituição democrática, baseada no reconhecimento de princípios legais universais”, explicou.

Gülen também alertou que “uma Turquia que se afasta de seus próprios valores e de seu povo, também, se afastará do resto mundo”.

Veja, abaixo, extratos da entrevista:

Com apenas alguns dias para as eleições, há debates sobre qual partido o Movimento apoiará.

Não acho apropriado que muçulmanos falem sobre isso o tempo todo e acreditem que o verdadeiro sentido da vida está nas urnas. Certamente, as urnas têm uma importância crucial para o futuro deste país; mas isso não é tudo. É impossível não ficar chateado ao perceber que o foco no resultados das urnas faz com que algumas pessoas se sintam confortáveis para mentir. Quanto ao debate sobre em quem deveríamos votar, sempre pedi aos meus amigos que votassem baseados em suas convicções pessoais. Acredito que pedir a eles para votarem em determinado partido é uma forma de pressão; além disso, creio que engajar-se com um partido específico significa isolar-se de outros segmentos da sociedade. Nossa posição no referendo, claramente, não foi por um partido, mas pela introdução de medidas democráticas. Parece que aquela posição não está sendo apreciada.

Agora há um presidente de partido que lança insultos constantemente. Infelizmente, homens sábios daquele partido preferem um silêncio profundo. Com a exceção de alguns partidários, tenho percebido que a base do AKP está insatisfeita com isso. Se a pessoa internaliza e concorda com tais acusações e insultos, pode até votar para aquele partido, mas acredito que esses comentários - que causariam dor a qualquer um - feriram, também, aos nossos amigos. Cada um considerará sua própria situação e analisará os candidatos a prefeito. Afinal, esta não é uma eleição geral. Os candidatos são mais importantes que os partidos; há muitos candidatos valiosos em todos os partidos. Não importa o partido para o qual vote, você não terá cometido um pecado.

Há muitas especulações sobre sua permanência nos EUA e seu retorno à Turquia. O senhor pode comentar sobre isso?

Eu gostaria de pensar bem sobre aqueles que solicitaram o meu retorno. Pedidos similares foram feitos antes e eu pude sentir sua real intenção. No entanto, continuo a me apegar à cortesia e atitude positiva para com fiéis. Antes de mais nada, sou apenas mais um fiel entre tantos outros. Sempre tive meus pés no chão. Essa é a forma como vivo minha vida. Na minha opinião, a maior posição que alguém pode alcançar é ser um verdadeiro servo de Deus. É meu desejo morrer como tal. Não tenho nenhuma conexão ou laço com qualquer poder, força ou grupo externo. Isso está fora de questão. Aqueles presos nas redes de poder, força e grupo externos são aqueles que buscam por prosperidade, poder e outras posições mundanas. Infelizmente, os que desejam tomar o poder de maneira despótica e nunca abandoná-lo veem perigo em pessoas que não nutrem aspirações ao poder e até evitam tais desejos por terem como objetivo o contentamento de Deus e Sua bem-aventurança no Além. Eles tentam retratar essas pessoas como ameaça ao Estado. Porém, em essência, as veem como ameaça aos seus próprios planos.

Mesmo em sociedades pouco desenvolvidas, pessoas são julgadas por suas palavras e ações. Vereditos são dados baseados no que elas dizem ou fazem. As pessoas e autoridades conhecem e observaram meus atos e palavras por 50 anos. É possível que uma pessoa que tenha um objetivo escuso consiga escondê-lo por 50 anos?

Decidirei sobre voltar à Turquia, não com base na convicção de certas pessoas, mas após consultar alguns amigos cujas intenções considero sinceras. Como disse antes, se eu retornar, retornarei como sou –o filho de Ramiz Efendi, que serviu como imã da [mesquita] Üç Şerefeli Cami.

Há algum tempo o senhor parou de dar sermões via Internet. Aqueles afiliados com o Movimento se perguntam sobre como o senhor se sente sob tanta pressão e insultos. O senhor gostaria de dizer algo a eles?

Devemos nos manter pacientes frente ao que está acontecendo conosco. Não deveríamos abandonar nosso estilo brando e decente. Pessoas sofreram com problemas diferentes em diversos períodos da história. Figuras importantes como Imam Rabbani, Hasan al-Shadhili e Mawlana Baghdadi, todos sofreram. A brutalidade e perseguição que Bediüzzaman sofreu deve ser lembrada. Ele foi objeto de todos os tipos de brutalidade. Não podemos nos comparar àquelas pessoas extraordinárias, mas devemos estar preparados para receber todos os tipos de sofrimento. Não devemos nos ressentir. Precisamos orar a Deus o tempo todo e dizer, “Estamos satisfeitos em ter Deus como nosso Senhor, o Islã como nossa religião e Muhammad - a paz e bênçãos estejam com ele - como nosso Profeta”. Nunca devemos nos sentir ofendidos pela forma como Ele nos trata. Devemos estar sempre satisfeitos com Deus.

Problemas são temporários. Se nossa comunicação e relação com Deus for perfeita, asseguraremos nossa vida após a morte, mesmo que passemos por muitos problemas. Aqueles que se dedicam a esta causa terão ganhos eternos no Além se não buscarem vantagens mundanas. Todos devem continuar onde estão. Dependendo das circunstâncias e conjeturas, opções diferentes devem ser consideradas para alcançar o destino, mesmo que eles [governo] bloqueiem os caminhos e alternativas principais. O destino são os valores humanos universais. As pessoas que mencionei acima nunca foram pessimistas; deveríamos ser como elas. Devemos manter nossas esperanças. “Desesperança é um pântano. Se você cair nele, se afogará; mas se você se ater à sua resolução, será salvo.” Isso é o que Mehmet Akif [famoso poeta turco] diz sobre desesperança. Acreditamos que esse clima desanimador desaparecerá com o tempo. Sempre mantivemos nossa esperança.

Você se referiu ao que já passei até agora. Não completei meu serviço militar quando o Golpe de 27 de Maio [1960] aconteceu por que fui perseguido na época. Fui perseguido no Golpe de 12 de Março [1971]. Me escondi feito um bandido por seis anos durante o Golpe de 12 de Setembro [1980]. O ex-Presidente Turgut Özal exerceu sua autoridade quando era forte, e eles me deixaram em paz, mas esse não era o fim. Viajei a Meca para o Hajj e mais uma vez as coisas se tornaram desagradáveis para mim. Prestei depoimento ao tribunal de segurança do Estado. O promotor Nuh Mete Yüksel abriu um processo legal contra mim, após o Golpe de 28 de Fevereiro [1997], que durou anos. Apesar da difamação a que fui submetido naquele caso, o promotor-chefe aqui em Nova Jersey me demonstrou respeito. Ele me recebeu na porta [do edifício], me ajudou a chegar à cadeira [de testemunha] que me sentaria. Depois, ele lavou seu próprio copo, encheu-o com água e o ofereceu a mim, dizendo que minha boca poderia ficar seca dado que eu testemunharia. Ele não me conhecia de forma alguma. Depois, discuti [com meus amigos] se eu deveria enviar um presente a ele por seu tratamento gentil. Quando lhe entreguei o presente, ele disse que não poderia aceitar algo de alguém em cujo processo legal havia trabalhado. Eu disse a mim mesmo que esse tipo de gente ainda sobrevive, apesar de todos os acontecimentos negativos, graças a essa filosofia legal. Por causa desse entendimento legal é que eles ainda têm um papel influente na política mundial.

Também deveria dizer que fui encarcerado durante meu serviço militar porque dava sermões. Um comandante que me protegia permitia que eu pregasse sermões, aos quais ele frequentava. Quando ele estava se preparando para deixar a unidade, me abraçou e disse, em lágrimas, que eu enfrentaria repressão após sua partida. E isso aconteceu. Eles me mandaram para prisão. Além disso, fui alvo de diferentes tipos de perseguição e repressão em diversas épocas. Contudo, o que estou passando agora não se compara ao que vivi no passado. As mentiras, insultos e comentários baixos... Mas todos refletem seu caráter em suas atitudes e palavras. No fim, não podemos dizer nada a ninguém.


Uma nova Constituição é necessária

A Turquia está passando por momentos difíceis. Algumas vezes as pessoas se tornam pessimistas por causa da turbulência atual. Como, em sua opinião, a Turquia pode sair dessa situação?

Acima de tudo, devo enfatizar que em tempos difíceis é necessário orar a Deus e buscar refúgio em Sua misericórdia. Deveríamos nos preocupar com a sorte daqueles que não se importam com o próprio destino. Aqueles que se contentam e lançam dúvidas sobre a fé dos outros estarão em grande perigo, de uma perspectiva religiosa. ‘Umar [segundo califa] se preocupava com seu destino [apesar de ter sido uma das 10 pessoas às quais o Paraíso foi prometido]. Assim, também deveríamos nos preocupar com nosso destino. Precisamos buscar refúgio na misericórdia e proteção de Deus. Precisamos dizer, “Ó Deus, segurai a minha mão. Pois, se Vós não o fizerdes, serei condenado”. Assim como para indivíduos, fé e submissão também são santuários para comunidades. Aqueles que não buscam refúgio nesse santuário podem ser esmagados por seus egos. Que Deus nos proteja.

Esse é um lado da moeda. O outro é: Para superar a atual turbulência, o país precisa de uma nova atmosfera. Uma nova Constituição é necessária à garantia de direitos e liberdades fundamentais. Acredito que deveria haver crescente demanda e pressão popular sobre as pessoas e instituições relevantes para que se produzisse uma Constituição democrática, baseada no reconhecimento de princípios legais universais. Muitos intelectuais fazem análises similares. Uma Turquia que se afasta de seus próprios valores e de seu povo, também, se afastará do resto mundo.

Hoje, indivíduos e sociedades têm maior importância que seus Estados. É impossível implementar um projeto que seja imposto ao povo. No início do século, Bediüzzaman disse que o predomínio sobre um povo civilizado é possível por meio de persuasão, não de coerção. Assim, repressão não é algo permanente. Precisamos abordar os eventos e acontecimentos com paciência, prudência e cuidado. Se você lidar com os acontecimentos com a paciência e submissão necessárias, com o tempo, a razão prevalecerá. Quando isso acontecer, aqueles que se engajaram em pecado se sentirão envergonhados; e vocês, abrirão seus corações e perceberão que este não é um dia de condenação e garantirão que eles não se sintam dessa forma. Tem sido assim ao longo da história. Se vocês caminharem na direção oposta, se afastando das outras pessoas, a distância aumentará. No dia em que vocês precisarem de união e cooperação, perceberão que cometeram um erro, mas será tarde demais. Não precisamos pensar em mais nada além de nos comprometer com nossos deveres e serviço. Essa é minha humilde opinião sobre o assunto.

Publicado em Today’s Zaman em 20 de março de 2014.

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