Determinismo na História

Gerações de Esperança – I

As gerações de esperança são, no que se refere ao presente, os representantes da ciência, conhecimento, fé, moralidade e arte. Elas são, também, os arquitetos espirituais das pessoas que nos sucederão. Elas derramarão sobre os corações necessitados as mais puras inspirações nutridas em reinos superiores, vindas de seus próprios corações e apresentarão as mais novas formações em todas as seções da sociedade. O mau agouro e desperdício, a insanidade, as obsessões e delírios de sucessivas gerações de nosso passado recente ocorreram, em grande parte, porque elas não encontraram tal geração de esperança.

Nos últimos séculos, experimentamos fracasso após fracasso, mesmo onde deveríamos ter prosperado e perdemos principalmente nas arenas em que deveríamos ter vencido. Naquele período, tratamos uns aos outros como lobos e uma herança de ressentimento, ódio, ganância política e ambição foi deixada para os que vieram depois. Aqueles que estavam na política e aqueles que os apoiaram consideravam todos os meios e ações que ganhasse uma posição para seu próprio time ou partido legítimos e permitidos. Eles tramaram e se juntaram a intrigas complexas, iludiram a si mesmos achando que ao derrubar o grupo dominante e mudar o partido governante mudariam tudo e o país seria salvo. Nem aqueles no poder nem a oposição entenderam que só seria possível alcançar seus objetivos por meio de ações revolucionárias dirigidas pelo pensamento, conhecimento, fé, moralidade e virtude. Foi por isso que eles viram a “mudança” e a “transformação” desejadas em alterações externas, vazias, formais e inexpressivas. Quando poderia ter havido uma grande restauração, uma reforma histórica, eles se ocuparam com tintas, cores, caiação e meras mudanças cosméticas. Além do mais, alguns indivíduos, alienados de nossos verdadeiros valores nacionais, venderam o ideal de patriotismo a Satanás em troca de coisas insignificantes, assim como o ingênuo Fausto. De acordo com os requerimentos e condições de tempo, interesses e ganhos passageiros, eles se sujeitaram à loucura de ser um tipo de nação num dia e outro no dia seguinte, contundo, sem o ser verdadeiramente, apenas fingindo sê-lo. Num momento,inalaram o Turanismo[i], noutro confabularam sobre uma nação de camponeses e agricultores, noutro conversaram sobre aristocracia de forma pretensiosa, noutro, ainda, falaram sobre democracia e flertaram com comunismo, porém nunca salvaram a si mesmos de derivar de um lado para outro. Devido ao apetite confuso de nossos intelectuais – apetite que não tinha escala ou critério – ilusões e fantasias sobre a França em certo momento, um gosto e admiração pela Inglaterra em outro, uma paixão pela Alemanha e, depois, um amor e fervor pela América, ou outro país semelhante, tornaram-se a motivação por trás de nossa interpretação sobre a vida e os portos de onde partimos em direção ao futuro.

O sentido de nacionalidade e religião, que é o ideal comum de nosso povo, deveria ser baseado em uma fundação que estivesse acima de todos os tipos de fantasias. Tal fundação deveria exceder a verdade do espírito individual e ser constituída de fé poderosa, filosofia bem estabelecida, moralidade firme e virtude que fossem reconhecidas e possuídas por todas as almas. Ela deveria ser mais resistente que todas as fundações. Esse é um movimento moral que segue, todos os dias, na mesma direção, no curso de sua própria riqueza espiritual e entendimento da realidade. Um movimento que está aberto a todos os tipos de mudança e novas tentativas, revolve em torno do prazer de Deus. Ele está completamente imune às considerações de interesse e lucro, e promete a desejada salvação às gerações futuras. Por outro lado, enquanto nosso mundo intelectual seguir em um caminho pervertido; enquanto nossos corações tiverem uma fé que ainda não adquiriu firmeza (yaqin); enquanto estivemos em profunda confusão e desordem; e enquanto nossas mentes virem tantos métodos e conceitos diferentes com múltiplas concepções sobre civilização, será impossível clamarmos ter um espírito e essência – a verdadeira propriedade de nossa nação – para tomá-los sob nossa proteção e passá-los seguramente às gerações futuras como um cuidador confiável.

Muitos testemunharam e conhecem muito bem o nosso passado recente, os períodos críticos em que perdemos os valores que nos pertenciam. Pensamos muito sobre produzir um novo estilo e filosofia de vida para nós mesmos, combinando muitos entendimentos e interpretações diversos, tão distantes uns dos outros, e muitos pensamentos contraditórios. Infelizmente, desperdiçamos tantas vidas e ainda nos consolamos com a ilusão de que estamos produzindo algo. Como não conseguimos fazê-lo até agora, será impossível que o façamos daqui em diante se continuarmos da mesma forma. Pois, sem abraçar as raízes da espiritualidade e o significado de nossas próprias vidas, não será possível alcançar uma nova síntese de pensamento e um estilo novo para nos expressarmos. Neste momento, longe de alcançarmos uma nova síntese e estilo, experimentamos uma constante náusea por causa da ruptura entre nosso entendimento e sentimentos e os efeitos das contradições que oscilam em nossa alma. Claro, todas as oportunidades que recebemos de tempos em tempos e as potenciais forças e poderes que tivemos foram completamente desperdiçados, perdidos e não chegaram a nada.

Apesar de parecer que alcançamos algumas coisas nos últimos séculos, não fomos capazes de apresentar um trabalho convincente sobre nossa própria religião, forma de pensamento, moralidade, cultura, arte, economia ou nossa forma de administração. Apesar de ter havido algumas conquistas naquele período, elas se provaram nada mais do que “fantasias” ou coisas “superficiais” iniciadas para despertar os desejos dos jovens. Essas conquistas não passam de algumas dúzias de desejos e vontades insignificantes quando comparadas às nossas reais necessidades, como a interpretação de nossa época, a avaliação e apreciação do conhecimento e da ciência, a compreensão do espírito de concordância e aliança (wifaq e ittifaq) e a resolução e superação das necessidades e desejos que nos dobraram por um período tão longo. Nossa salvação de tais visões estreitas e pensamentos parcos que escravizam nossos sentidos e nos mantém prisioneiros só será possível com os heróis de entendimento e discernimento, pessoas conscientes de Deus, amantes da verdade, inspiradas pelo desejo de conhecimento e que se curvam sob o peso das verdadeiras dificuldades e dos problemas de hoje. As pessoas esperadas para o futuro, cujas promessas são o fôlego de seus corações, são capazes de ver além do horizonte sofrem por causa do atual estado indesejado e pelo futuro sombrio das pessoas. São indivíduos que sofrem para erguer e elevar as gerações a níveis mais elevados; derramam lágrimas como o Profeta Jó; compartilham as dores presentes e futuras e a aflição de sua geração; enxergam a felicidade e os prazeres como o trabalho e presentes de Deus e tornam-se cada vez mais agradecidos por estes e elevando seus espíritos com essa gratidão. Esses heróis conscientes de Deus encontrarão sua força e inspiração em nossas vidas e nos séculos coloridos da história. Eles soprarão em nós o espírito de ser uma verdadeira nação, mais pura que todas. Eles estimularão nossa juventude com fé, esperança e ideais de ação e produzirão novos canais e cursos d’água no reservatório de nossos ideais nacionais, que estiveram estagnados e inativos em uma represa fatal e levaram a uma extinção longa e terrível.

E então, nós, como nação, correremos ao local de oração que perdemos em nossos corações por meios desses canais e cursos d’água e derramaremos lágrimas de reencontro. Ao retornarmos aos nossos lares, que são tão acolhedores quanto os cantos do Paraíso, encontraremos os reflexos do paraíso que perdemos há muito tempo. Ao redescobrirmos nossas próprias escolas, cujos pilares são a busca pela verdade e o amor pelo conhecimento, encontraremos e seremos reapresentados à criação por meio das escolas que estão abertas ao universo. Ao amarmos todos os seres humanos, aprenderemos a compartilhar tudo. Ao vivermos com mais interesse pelos outros, acolheremos a todos nas colinas de diamantes de nossos corações. Ao observarmos e olharmos a criação, seremos entusiasmados por seu sentido artístico. Em nossas relações com as pessoas, pensaremos com profunda preocupação e lamentos, banhados em lágrimas e sacudidos por palpitações, e assim expressaremos a nós mesmos.

 

 



[i] Turanismo: Movimento turaniano, surgido durante a Primeira Grande Guerra na Hungria e na Turquia, além de fomentar a cooperação política, acentuava a descendência e cultura comuns dos povos turcos e uralo-altaicos.